O Ateneu (Raul Pompeia), Cap. 05
(...)
Soavam-me ainda aos ouvidos as prédicas de ascetismo do Barreto.
Para ele o mal era fêmea.
O Sanches entendia que era macho. Amarrava-lhe um rabo ao cóccix e criava o Satanás bilontra, imoral e alegre.
A cauda do demônio do Barreto era de rendas.
Na Rua do Ouvidor, faria o Satanás — fanfreluche.
Uma coisa horrível, com dois olhos, destinados à perdição dos homens. Saia digna de consideração, só a de padre, que, por sinal, é batina, não é saia. O mais não passava de pretexto da moda parisiense para disfarçar o pé de cabra.
Cuidado com Satanás sorriso! um sorriso com duas pernas, um abraço com dois seios, uma pantomima do inferno, faceira e traidora, graciosa e comburente, donde por descuido e por acaso vai-se desprendendo a humanidade, como as cobrinhas pirotécnicas de Faraó. O menor descuido, desgraça eterna!
Contou-me que o porteiro do seminário em que estivera, para não ser despedido, fora intimado a separar-se da própria irmã.
Deus, para vir ao mundo, tinha severamente elaborado o mistério excepcional de uma virgindade sem mancha.
E, se não fossem as profecias, que não podiam ficar comprometidas, o veículo a Conceição, por amor da insexual pureza, teria sido o carapina José, ou mesmo o velho Zacarias, ainda mais respeitável pela calva.
A teologia do Barreto me calara fundo, e eu resolvera piedoso enxotar quanta imagem de sorriso viesse pousar-me à idéia.
Virando a página dos fervores, a teoria ficou-me de resto, do Satanás feminino.
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